segunda-feira, abril 16, 2001

 
O dia começou corrido, estranho, tenso, mil coisas e tudo ao mesmo tempo, como toda segunda feira que se preze.

Reclamo por reclamar, pois o marasmo é algo que não faz parte da minha vida, nem mesmo a rotina que me deixa maluca. Gosto de novidades, de trabalho variado, situações inusitadas, a pesquisa me fascina.

Esta força de vasculhar cantos, não se deixar levar por qualquer obstaculo, e quanto mais dificil melhor, a vitória tem mais sabor, mais o que comemorar.

Ela vem de herança da minha mãe, mulher poderosa, forte, dominadora, esclarecida, dona de um conhecimento que poucas mulheres de sua época possuiam. Voces podem imaginar uma mulher nos anos 40 morando sozinha, usando calças compridas normalmente, se sustentando sem depender de ninguem? Pois é, esta era a minha mãe. Só casou aos 35 anos, só quando encontrou o homem de sua vida, e olha que varios devem ter passado. Viveu os aureos tempos do cassino da Urca, teatro de revista (o show de vedetes para quem não lembra), carnaval de corso, os verdadeiros bailes de salão curtindo um lança perfume, confeti e serpentina. Ela é alemã de nascimento, mas foi criada aqui em Santos, morou em Sampa, Rio de Janeiro, Salvador e interior de São de Paulo (imagine nesta fazenda tinha carro de "gasogenio").

Pois é, mas isto um dia acaba. A idade chega e o tempo não perdoa!

Hoje fiquei sabendo pelo medico que ela está com arteriosclerose, doença? não doença? ele diz não é coisa de velho mesmo, as coisas gastam e não funcionam mais direito.

Como olhar para esta mulher que o tempo está levando? Não consigo encarar isto normalmente, apesar de ja saber, e ela ja estar com problemas de memoria a algum tempo. O medico me disse para não deixar ela mais sozinha, principalmente sair sozinha, ela pode ter um branco e simplesmente não saber onde está, quem é, ou coisa assim. E com 80 anos ela tem um vigor que muito jovem não tem. Segundo o medico seu corpo é de um adolescente, aguenta qualquer tranco ainda, vida agitada, mas a mente não comanda mais.

Até o meu casamento morei com ela, ai a coisa se inverteu, ela mora comigo desde então. Com o passar do tempo, se tornou um tanto quanto dependente, mas nada preocupante, sempre algo do tipo decisões pequenas, nada que afetasse sua vidinha tão diretamente, como as atitudes que vou ter que tomar de agora em diante. Mãe vira filha e filha vira mãe, me sinta mãe madrasta.

Qual será o nivel de consciencia dela? Volta e meia ela ja briga comigo, que me sinto uma carrasca, coisas normais, pequenas, as vezes viram uma briga enorme, por falta de paciencia minha. Uma perfeita criança que cobra atenção e mimos a toda hora. Ja faz um tempo que quando compro doces para as crianças, tenho que sempre comprar mais um pra ela, senão é briga na certa.

Perdi meu espelho, meu exemplo, tenho que me superar para suprir esta falta, e pior sozinha, tenho que remexer meu bau inteiro e buscar la no fundo forças para viver este dia a dia que não vai ser facil. Para quem ja viu umhomem (meu pai) de 1,90m, pesando 120 kg, definhar a sua frente quando tinha apenas 19 anos e a experiencia de uma menina de hoje de 15 anos, morrer com 49 kg, e se destruindo pela arteriosclerose e pela inaninação, inércia que o infarte, a diabete e outras coisas mais estavam destruindo aos poucos, me sinto sem forças.

Só uma coisa quero desta vida, ser o mesmo exemplo que ela foi pra mim para estes meus filhos maravilhosos. E quem sabe até ser lembrada por meus amigos pelo carinho e dedicação, fidelidade e verdadeira amizade, mesmo sem a troca necessária de tudo que se espera de um amigo.

Esta ficando tarde, preciso ir deitar, chorar um pouco debaixo do chuveiro.Mas nada melhor do que a água paralimpar elevar as coisas ruins, até serve para carregar as baterias. Afinal os que me rodeiam não tem nada a ver com isto.

Beijos para todos, beijos para mim, considero-me abraçada e acariciada, consolada por meu ombro amigo, e por todos que aqui lerem.


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